Cartas Lisboetas te saúda

Bom dia, boa tarde e boa noite.
Sejam bem-vindos ao meu blog, ele foi criado partindo da ideia de uma amiga sobre a minha escrita.
Tentarei postar alguns momentos descritos por mim como uma carioca que resolveu há 9 anos viver em Lisboa.
Espero não decepciona-los, um abraço e sejam bem-vindos a minha pequena morada.
Lilia Trajano

sexta-feira, 20 de julho de 2012

On – Rocinha em Off!

Lisboa, 19 de Julho de 2012.

Fiquei a pensar que devo ter vivido fora da Rocinha 20 anos e não 9 – tempo que me encontro em Portugal – ao ler Rocinha em off.


Pensei: onde será que eu andei que não vi certas coisas acontecerem, fora do Rio não foi, fora da Rocinha também não, porque sempre vivi na Rocinha.

Me assusta certas informações, me assusta ver que pessoas subam tão depressa e se destaquem por uma cena ou outra, me assusta o nome Líder Comunitário, penso: será que fui um dia Líder Comunitária? Nunca quis este título, nunca quis ter este estatuto. O que é ser Líder Comunitário? É a evolução dos tempos onde as pessoas ganham fama por fazer o que deve ser feito.

Comecei atuar na Rocinha com 14 para 15 anos, no grupo de Teatro da Associação com Dona Maria do Teatro - falecida -, de seguida fui trabalhar na Escolinha Comunitária da Rua 2, e daí para associação de moradores - UPMMR.

Éramos um grupo bom, de pessoas que agiam, como me disse sabiamente meu amigo Harold Avlis, “nós não éramos líder, nós éramos agentes comunitários, gente que fazia”, Líder para mim e na minha maneira de ver é Nelson Mandela, e foi em homenagem a ele o primeiro movimento na Rocinha para aquisição da Casa da Cultura, o nome era: Movimento Pró Casa da Cultura da Rocinha Libertem Nelson Mandela, fizemos eventos na rua, Palco sobre Rodas, poesia, participamos do concurso para aquisição da Lona Cultural, ganhamos a Lona Cultural, ainda na gestão do secretário de cultura o ator António Pedro, não levamos a Lona, porque não tínhamos lugar para por na Rocinha, era um jogo politico sujo e de interesse e por esta razão a Lona Cultural seguiu para outra comunidade, e mesmo sem a lona mantivemos o desejo de fazer o trabalho cultural atuávamos eu, minha irmã Maricea, Fábio, Harold, Herton, Marly, Carlos, Jorge e Heloisa.

Ailton Rosa ajudou na nossa proposta de fazer show na rua, era um cara experiente, tinha visão e juntos fizemos desfiles, concursos, apresentação de teatro e cinema.

Meu trabalho foi sempre na área da saúde e da cultura, sempre marquei este dois pontos como um marco no que eu acreditava ser importante para os moradores, nunca quis aparecer, nunca achei que fosse importante, não projetava nisso uma ambição futura, queria e penso que o grupo que eu trabalhei, também, queria que a comunidade ganhasse, isso era o primordial. Queríamos que a comunidade tivesse acesso a cultura, a cidadania, educação, saúde e lazer.

A Rocinha perdeu o rumo, porque muita gente só queria aparecer, queria ganhar dinheiro, se dar bem, depois não conseguiram mesurar até onde poderiam ir e neste sentido, é que se perde, e a criminalidade aproveita essa brecha, aproveita os oportunistas existentes para impor o seu poder de domínio.

O barco foi a deriva, mas não naufragou, alguns de nós saímos de cena, e ai apareceram os que hoje se acham os responsáveis por estas ideias, os primórdios das ações implementadas, ledo engano, apenas pegaram a sopa no fogo e puseram um pouco de tempero e ganharam o título de Chef, com o melhor cardápio, o que esteve atrás foi esquecido, ficou na memória, tempos bons da história, seu Inácio, historiador já falecido que nos ensinou valores que os “pseudo” lideres comunitário hoje, na minha visão não tem.

Fico triste ao saber nas entrelinhas de um livro que o personagem “Tilinho” podia ter morrido, e mais triste ainda fico, que se tal fato acontecesse, o nome dele ficaria sujo, seria considerado mais um bandido abatido na favela.

Fico triste de saber que não estava lá, que não pude dar o meu apoio ao meu amigo. Fico triste por saber que muita gente até hoje acha que o “palhaço” é culpado, fico triste por constatar ainda que pessoas roubem ideias dos outros e usem nosso nome, registem jornais e se dizem idealizadores de um projeto cultural, quando o mesmo apenas foi convidado a participar, e que agiu como um traíra nos apunhalando pelas costas.

Fico triste por saber que os engravatados de Brasília do governo presidido pelo Governo PT continuem soltos, alegando inocência, enquanto pessoas simples por nascer em uma favela, por viver em uma favela, vai parar atrás das grades como se fosse um bandido, porque foi visto ao lado de traficantes, porque ouviu-se conversas no seu rádio ou celular. Ele também alega inocência, porque que ele está preso, e os engravatados estão a curtir a vida na maior?

Por outro lado, fico feliz porque meus amigos não morreram, fico feliz por ter estado fora do que se transformou a comunidade que eu nasci, fico feliz por não pertencer mais a esta história.

Dia 17 de Julho recebo duas informações, o Livro Rocinha em off com uma dedicatória do meu amigo Carlos Costa e a notícia de que Dona Fátima havia falecido há cerca de um mês, mãe da minha amiga Maria Helena Carvalho, fiquei triste porque só agora soube.

Será por isso que ela queria colo? Que precisava do meu abraço, desculpa amiga por não estar ai ao teu lado.

Dia 18 de Julho de 2012, termino a leitura do livro Rocinha em Off, difícil parar de ler, difícil não chorar, acho que dá para fazer uma mesa de debates com alguns pontos ali descritos.

É belo, emotivo, direto, e triste, será que a vida é isso? Nossos sonhos terminarem assim?

Fico por aqui e desejo muito sinceramente que Tilinho volte e de continuidade a sua história e que o final seja de realização, de contemplação e alegria, como nas vitórias dos festivais da escola, em que ganhávamos e festejávamos bebendo guaraná e comendo pão com mortadela e bolo pulmam, um abraço fraterno aos meus amigos e em especial a você Carlos Costa, que a sua caminhada continue cheia de luz.