Cartas Lisboetas te saúda

Bom dia, boa tarde e boa noite.
Sejam bem-vindos ao meu blog, ele foi criado partindo da ideia de uma amiga sobre a minha escrita.
Tentarei postar alguns momentos descritos por mim como uma carioca que resolveu há 9 anos viver em Lisboa.
Espero não decepciona-los, um abraço e sejam bem-vindos a minha pequena morada.
Lilia Trajano

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Bom dia por um mundo melhor!


O Coringa

Há três anos atrás fui agredida dentro de uma instituição que abrigava crianças e jovens em risco em que eu trabalhava. Estava no exercício da minha função quando tocaram a porta da entrada, estava eu no terceiro piso da instalação institucional indo levar as crianças menores de 10 anos para escovar os dentes e deitar. Desci as escadas e fui até a porta, não havia olho magico, por ser tarde e se tratar de uma instituição de crianças e jovens, perguntei quem era, me responderam e pela resposta abri a porta.

Se soubesse que seria agredida minutos depois pelos familiares de três crianças que estavam sobre o abrigo da instituição, não teria aberto a porta. Nunca sabemos do perigo que nos espera.

Porque toco nesta assunto tanto tempo depois? Bem, ontem foi o julgamento das três mulheres que me agrediram, não fiz queixas contra elas, mas como a situação envolvia três crianças que estavam sobre o abrigo do tribunal de menores, o Ministério Publico entrou com uma ação, e eu fui chamada como testemunha do Ministério Publico.

Minha outra colega que também foi agredida e foi ameaçada de morte pelos familiares, fez queixa na policia, entrou com uma ação de indemnização, de ameaça e tentativa de homicídio.

Sempre fui questionada por não ter feito o mesmo, não sou Teresa de Calcutá, mas quando apanhei não me preocupei se poderia morrer,  já que estava sendo enforcada pela mãe das crianças, e já quase a desfalecer, me preocupei com o olhar de desespero das crianças que me acompanharam até ao hall da entrada e que desesperadas e sem reação, apenas choravam ao me ver apanhando, me preocupei com o trauma que aquilo poderia causar a elas no futuro, me preocupei com as crianças que foram levadas pelos seus familiares na qual já havia queixas de maus-tratos.

Olhei para aquelas pessoas que me batiam e rezava, pedia perdão por elas, pedia perdão se eu havia falhado no meu papel. Não me senti agredida, apesar de fisicamente estar estendida no chão, com fissura no maxilar direito, traumatismo craniano, mas pensei, ainda consegui forças para pensar: elas querem agredir o sistema que lhes tiraram o direito de ser mãe, de ser família, eu apenas estava no caminho entre elas e este sistema. Nada vale como desculpas nesta hora, mas não queria causar mais dor e sofrimento as crianças, achei que o tribunal já estava a fazer o seu papel, a minha queixa não alterava nada, apenas agravava os fatos envolta delas, mas ao denunciar o sequestro, achei que já tinha feito a minha parte.

Nunca chorei por isso, nunca tive raiva delas, nunca tive no meu coração nenhum rancor ou vontade de me vingar, nunca tive medo

Ontem me vi numa situação que não me imaginava, me vi diante delas, tendo que relatar na presença de três juízes: do Ministério Publico; do Tribunal de Menores; do Crime de Ação Penal Qualificada, tudo que aconteceu naquela noite fatídica em que quase morri.

Parece que tudo veio de novo a minha mente como um filme em que me via apanhando, chorei feito criança diante daquele tribunal, que mandou que saíssem as agressoras da sala para que eu pudesse continuar meu depoimento. Tremia e chorava, mal conseguia falar, muito tranquilamente a juíza se dirigiu a mim e disse: Conceição eu sei que é difícil você ter que passar por tudo isso novamente, mas é preciso, leve o tempo que precisar, mas nos conte o que aconteceu.

Relatei tudo entre lágrimas e soluços engasgados.

Os advogados da defesa da agressoras, não tinham preparado nada contra mim, porque só se preocuparam com a acusação da minha amiga, até aquele momento eu não existia para eles, por isso me senti como um coringa no fim de uma jogada onde a acusação até então tinham ideias vagas do acontecido, porque a minha colega que entra com a acusação não tinha presenciado tudo que eu presencie, não tinha visto o sequestro das crianças e nem tinha sido agredida por um homem que surgiu na porta e que me deu um soco que me deixou no chão, após ter sido informado pelas agressoras que eu “não era a tal pessoa que eles queriam ‘pegar’.”

Pensei comigo: se apanhei tanto a ponto de desmaiar sem ter culpa de nada do que elas alegaram, o que teriam feito elas a minha colega, se ao invés de ser eu, fosse ela que abrisse a porta?

Continuo a rezar, rezo pelas crianças que continuam institucionalizada, rezo para que elas consigam um mundo melhor sem tanta violência.

A sentença ainda não foi proferida, mas sei através da advogada da minha colega que elas podem apanhar mais de 12 anos de cadeia, e que depois do meu depoimento pode se agravar mais ainda a situação delas.

Temo pelas crianças que crescem em família desestruturadas, de violência, e sinto falta da minha família, e penso que são poucas as famílias como a minha, que apesar de termos nascido e crescido em um ambiente de favela, eramos unidos, amigos, afectivos, meus pais nunca usaram de violência connosco, sempre utilizou o dialogo, acho que falta isso na sociedade, falta dialogo, falta afeto, falta respeito, falta amor.

Neste 28 de Junho de 2012, desejo a todos um bom dia.

Lilia Trajano – nome de poeta de Conceição Sobrinho

2 comentários:

Mazé disse...

"...falta isso na sociedade, falta dialogo, falta afeto, falta respeito, falta amor."
É bem verdade Lilia, as faltas são imensas e eu as englobo numa só palavra EDUCAÇÃO. Enquanto os governos não olharem para o povo como seres humanos nada vai melhorar. E nem sei se verei isto acontecer nesta minha atual passagem pela Terra, não é interessante gente que pensa, que sabe votar, que sabe se defender...
Amiga, lamento muito tal situação porque você passou. Que a justiça seja feita.
Abraços e que os céus protejam você e continuem dando essa força que você demonstrou na luta pelas desigualdades.

CILA SANTOS disse...

QUERIDA MANINHA,QUE SITUACAO!!!NOS QUE JAMAIS FOMOS VIOLENTADOS PASSAR POR ISSO COMO VOCE PASSOU.QUE BOM QUE A JUIZA FOI LEGAL E PACIENTE E TENHO CERTEZA QUE POR SER MULHER SE COLOCOU NO SEU LUGAR COMO EU ESTOU ME COLOCANDO AGORA E SENTINDO MTO O QUE PASSATES E VOCE FOI UMA HEROINA POR TER A FE QUE NESTAS HORAS SO FE E ACREDITAR QUE NOSSO PAI MAIOR NOS POE A PROVAS DURAS MAS JUSTAS DE ONDE PODEMOS SACAR ALGO DE BOM EM TODA SITUACAO RUIM.QUE PENA VOCE TER PASSADO POR ISTO E COMPLETAMENTE SO DOE AKI NO MEU PEITO A LER SEU DEPOIMENTO E PENSAR GRACAS A DEUS VOCE ESTA VIVA,MAS A JUSTICA TARDA MAS CHEGA,ESSAS PESSOAS POR DORES NAO SABIAM LUTAR POR PAZ DIALOGO,POIS DEVEM TEREM SIDO CRIADAS COM VIOLENCIA E AI GERA VIOLENCIA E A BOLA DE NEVE CRESCE.VAMOS REZAR PARA QUE ESTAS CRIANCAS TENHAM ALGO BOM ,UMA LUZ NO FIM DO TUNEL E QUE ELAS POSSAM ACREDITAR QUE HA UMA ESPERANCA NO FIM DO TUNEL.TENHO MUITO ORGULHO DE VOCE E QUE DEUS TE ABENCOE E AFASTE DE TI ESTAS FAMILIAS AGRESSIVAS E VIOLENTAS.BJS MANINHA TE AMO CILA