Cartas Lisboetas te saúda

Bom dia, boa tarde e boa noite.
Sejam bem-vindos ao meu blog, ele foi criado partindo da ideia de uma amiga sobre a minha escrita.
Tentarei postar alguns momentos descritos por mim como uma carioca que resolveu há 9 anos viver em Lisboa.
Espero não decepciona-los, um abraço e sejam bem-vindos a minha pequena morada.
Lilia Trajano

sábado, 17 de dezembro de 2011

A MORTE PEDE PASSAGEM



A MORTE PEDE PASSAGEM
Hoje parece que a morte resolveu fazer um acerto com a arte, a dramaturgia e com a música.
Saramago retractou a morte como uma senhora que se apaixonou por um musico, que por querer viver este amor resolveu deixar de matar no livro As Intermitências da Morte.
Hoje essa donzela, desfeita do seu romance resolveu que teria que levar com ela, um ator de teatro e televisão, um carnavalesco genial e uma cantora de Cabo Verde, a Diva dos pés descalços.
Um enredo de certeza está a ser feito no firmamento por Joaozinho Trinta, sob a direcção de Sérgio Brito e quem irá interpretar este samba é a cantora Cesária Évora.
A escola do firmamento de certeza será a campeã, porque com gente bamba não se brinca.
Eu aqui no frio de Lisboa tomo um copo de grogue, vindo directamente de Cabo Verde como presente de uma amiga, saudemos essa passagem, triste, mas saudemos de copo na mão.
Sodade, saudade, sentimento que só pode ser expressado na língua portuguesa, seguiremos assim, cantando Sodade,
“Sodade sodade
Sodade
Dess nha terra Sao Nicolau
Si bô 'screvê' me
'M ta 'screvê be
Si bô 'squecê me
'M ta 'squecê be
Até dia
Qui bô voltà”
Lilia Trajano, nesse dia 17 de Dezembro que ainda não terminou.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

“…A luz que sobra da pessoa…”

“…A luz que sobra da pessoa…” (Saudade – CD Tua – Maria Bethânia)
Em 47 anos de vida não mastiguei direito, bebi muito e me enchi de defeitos.
Hoje enxergo melhor de óculos.
Carrego comigo eu mesma, assim meio quase indo sem querer por algum lado
Respiro, afago, somo, multiplico e as vezes: imploro
Corro num caminho cinzento, azul-turquesa e amarelo como o brilho do sol
Sinto a idade chegar, mas não desanimo, continuo a amar.
Ganho nova nacionalidade sem perder a minha brasilidade, sigo, prossigo e rezo
Rezo e peço perdão por todos os erros cometidos, confesso foram muitos!
Caminho pelas ruas de Lisboa, vagueio, espero, procuro, encontro e me perco.
Me perco de mim, saiu por ai, sem fim, sem sim, sem não, sem por que.
As vezes desanimo, noutras não quero viver, depois retorno a viver, tenho saudades de tudo que não vivi e falta daquilo que vivi, mas renasço em mim a toda hora, feito uma Fénix.
Permaneço como nunca a ouvir Bethânia, a sentir seu ar e respirar por saber que ela existe, agradecendo a todo instante ao senhor Deus do Universo, obrigada por me permitir viver neste tempo.
Sigo em silêncio, a taquicardia a aumentar, glândulas a mais no seio esquerdo, vou e permaneço sem medo! Da vida só levamos a essência, aprimoro, cuido e tento melhorar, a dor esqueço, faz parte do meu desassossego.
Leio livros e mais livros, quero gastar meus últimos momentos a ler.
Me decepciono com pessoas e decepciono pessoas. A vida é assim, não há nada a fazer.
Exames feitos, confesso tive medo de receber os resultados das biopsias, medo de saber o que dentro de mim já era verdade. Que bom células normais e benignas
Medo e silêncio, repouso meu tempo no tempo e rezo, rezo e novamente e sempre e toda a hora, agradeço, mas um segundo, mas um minuto, mais uma hora, mas um dia outro dia, outra semana, outro mês, outro ano. 
Corro o tempo não espera e meu tempo é curto.
Eu que ainda não fui, mas sei, que sim em breve, um dia irei! Sinto em mim, como o rio que segue a correnteza, sinto que o tempo se aproxima, vou, feliz por tudo que consegui realizar até aqui, insatisfeita talvez por não realizar tudo que queria, mas o tempo é este, amigo e amigo. Por isso sigo, em silencio com a certeza, de que tudo tem sua hora, sua verdade, seu momento.
Obrigada!
2011 está indo embora, levando com ele nossos momentos bons, outros menos bons, que 2012 venha com tudo, com força, com mais beleza e encanto.

Lilia Trajano16 de Dezembro de 2011

Ps. Nem sonhava um dia chegar tão longe e já vivo no século XXI.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Feliz Dia de Hoje

Hoje dia de Nossa Senhora da Conceição
Dia de Oxum
Dia de agradecer pela vida
Há alguns anos atrás vinham ao mundo duas lindas meninas, pequeninas, morenas como mamãe Oxum
Hoje comemora-se essa passagem na vida dessas duas meninas que crescidas, hoje são Mulher, Mãe e Tia
Seguem juntas separadas pela águas do atlântico, unidas pelos laços da vida.
Dia 8 de Dezembro, um dia Especial
O dia em que chegamos aqui e deixamos claro que não estamos só de passagem, mas para continuarmos a viagem, pelo dia de hoje: seu e meu
Salve nós eu minha irmã Maricea.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

No dobrar da esquina

Lisboa, 5 de Dezembro de 2011

No dobrar da esquina
A vida tem pego peças na gente, alguns dizem ser natural, outros que não passa de um mal entendido. Quem terá razão? A vida que caminha a largos passos para frente ou os indivíduos que necessitam da vida para caminhar?
Sigo pensativa nessa manhã de segunda, uma manhã fria, eu em casa, ainda de repouso.
Sigo silenciosamente a tentar compreender o movimento da vida. Vejo imagens, leio notícias, discuto com amigos e nada modifica o sentido, é no virar da esquina que a vida deixa de ter razão, a gente vai cambaleando por ali até  encontrar um apoio, nem sempre conseguimos e assim seguimos.
Presos a vida que não nos larga antes da hora.
Quantas vezes tiveste na testa uma arma apontada, e não tiveste medo de morrer? Algumas, confesso. A morte só vem quando Deus quer, antes disso não, o máximo que podemos conseguir é ficar em cima de uma cama ou numa cadeira, ninguém nos pode tirar a vida, é um ato que cabe a Deus.
A vida segue e nós ao seu lado envelhecendo a cada dia ou tomando mais consciência que o mundo não gira ao nosso redor.
Sigo, fico a espreitar o dobrar da esquina, quem sabe não deparo eu com meu poeta, com minha cantora, uma amiga? Quem sabe nesse dobrar da esquina é que verdadeiramente a vida começa?
Lilia Trajano

domingo, 4 de dezembro de 2011

SÓCRATES, O JOGADOR DE FUTEBOL

Meu adeus a Sócrates

Dia de Iansã, Santa Bárbara Guerreira, dia de dizer adeus ao grande jogador de futebol Sócrates, que infelizmente não resistiu a terceira internação e acabou por falecer nesta madrugada no Hospital Albert Einstein, aos 57 anos.

Conheci pessoalmente o Jogador em Londres, após a apresentação do show de Maria Bethânia no camarim da artista. Me dirigi até ele para lhe dar um abraço, e parabenizá-lo pelo seu desempenho na selecção brasileira, modestamente disse-me que não era herói e sorriu.

Serás sempre o meu herói no futebol, na luta pela vida!

Não fomos campeões do mundo com você na selecção, mas sua presença nela fez a gente ter mais amor pela camisa canarinho.

Sentirei saudades de ver teu sorriso simpático a falar do futebol e dos novos jogadores em destaques no mundo.

Seguiremos órfãos desse encanto.

A morte vem descrita nas paginas de um jornal on line em que leio nesta manhã de domingo cinzenta na cidade de Lisboa, faz frio, minha amiga esta mal disposta o que me faz ter mais cuidado com a alimentação, para que ela consiga manter em seu estômago algo sustentável. E foi por um alimento estragado que tu voltaste ao hospital.

Misturo a dor na certeza de que não conseguiste um transplante, e a alegria ao ver meu irmão Maurício seguir sua vida aos 55 anos com um transplante de fígado. Para ti a doença veio rápido demais, se instalou feito veneno corroendo todos os vasos sanguíneos e não te permitindo nem mais um segundo da possibilidade de vida.

Digo adeus com lágrimas nos olhos, me resta agora olhar nossa foto feita em Londres onde foste convidado para representar o Brasil nessa homenagem londrina a comunidade brasileira lá residente.
Parta em paz meu grande herói e jogador de futebol Sócrates!

Lilia Trajano – dia de Iansã, Lisboa 4 de Dezembro de 2011.

sábado, 3 de dezembro de 2011

FALA SERIO!

Sigo o momento do confronto onde a politica do honesto tenta enganar a ele próprio, mal sabe ele que ninguém arma nada contra ninguém, é sempre alguém.

Tenho dito por ai que a vida não é piada, mas acho uma graça danada de ver pessoas culpadas jogando como inocente. Então sou inocente, sento na mesa do bandido, bebo com ele, recebo seu dinheiro, conto, confiro e depois eu digo: não é bem assim, na verdade eu recebi o dinheiro e devolvi. Fala serio tão gozando com a minha cara, ah, é claro, esqueci que sou palhaço, passei uma boa parte da vida mascarada e fazendo a criançada sorrir, fala serio que eu não sou conivente eu apenas usufrui de um bem de forma honesta, depois devolvi, o problema é que só se viu o receber, o devolver ninguém viu.

Não tenho casa não, vivo humildemente na minha pobre casinha pequena na favela, ando de transporte, mas propriamente de moto táxi, porque o rendimento vai para o patrão e assim eu posso contar a nota que recebo tranquilo sem amolação de não ter onde estacionar se tivesse um carro, fala serio tão gozando com a minha cara. Achava que o circo já tinha levantado a tenda afinal ficaram os malabaristas para fazer os acertos finais.

Quem te viu e se iludiu, quem foi que se enganou ou sempre soube ser enganado mas jogou apostando todos os trunfos que nunca seriam pego com a boca na botija, fala serio to de malas prontas e cansada, mas na verdade é porque vou fazer anos e o peso da idade chega e agente vai se decepcionado, olhando noticias, vendo imagens, assistindo a vídeos e não me venha dizer que é montagem, porque o próprio admitiu que esteve lá e que sabia que estava sendo filmado portanto, não há presunção de inocência com a culpa na base.

Fala serio porque se assim for os nazistas de Auschwitz não existiram nem o massacre e dizimação de judeus foi tudo armação para alguém inocente testar a bomba de Hiroxima.

Lilia Trajano Lisboa, 3 de Dezembro de 2011
Assistente Social ou Insistente Social

A quem cabe o benefício da dúvida?

A quem cabe o benefício da dúvida?

Nascemos pobres, negros e moradores em bairros com habitação degrada, mais comummente conhecido como: FAVELA.

Não nos é permitido decidir o que fazer até termos noções do que somos capazes de fazer, no entanto, há caminhos a seguir, mais todo caminho tem sempre vários seguimentos, por vezes pode ser uma encruzilhada, noutros, caminhos opostos. O que vale realmente é sabermos que o caminho que escolhemos decidirá com certeza a nossa trajectória na estrada da vida.

Por vezes seguimos caminhos tortuosos por imposição de um sistema que não permite que sejamos diferente, somos levado por ele como quem segue a trajectória do rio e suas fluentes.
Aguas tortuosas que se misturam com águas calmas, e que se transformam em pororocas.

Pode ser diferente um individuo que nasce em um habitat influenciado pelo crime, controlado pelo crime, agir conformidade a sua natureza sem se misturar? O que o impede de seguir uma trajectória diferente, o que o faz seguir outro destino?

Há caminhos, é certo, podemos conviver na mesma estrada com o mal, sabemos que ele existe e está ali a espreitar para que a gente tenha um pequeno deslize, um tropeço e pronto, lá está, ele dentro de nós, a nos comandar a vida. Entretanto, podemos errar, podemos nos perder na estrada, mas, há sempre a possibilidade de voltarmos atrás, encaramos de frente a verdade que nos cerca e seguirmos no caminho correto, ou seja, no caminho do bem.

O bem e o mal se misturam porque os valores que cada individuo tem dentro de si do que é o bem e o mal, pode ser diferenciado, o que para mim pode ser o bem, para o outro, pode ser o mal e o que para mim é o mal para o outro pode ser o bem. E acredito, que neste sentido é que alguns julgam certas as atitudes assistencialistas feita por traficantes, alguns por terem crescido, estudado, brincado, convivido com pessoas que se tornaram traficantes não conseguem discernir o bem do mal.

A quem cabe o benefício da dúvida, quando um individuo que não se sabe como, de repente, se torna líder de uma comunidade, consegue ele diferenciar o certo do errado?
Pode-se concordar que o tráfico de drogas é mal, mas pode-se concordar em aproveitar os benefícios sociais, culturais e desportivos financiados pelo mesmo supra citado, tráfico de drogas, é bom? Incoerência, nubilidade, inocência? A quem cabe julgar?

O passado é feito de erros, mas são esses erros que escrevem a história para que no futuro eles não se repitam. Quem pode ser exemplo do bem, de justiça, honestidade sem dúvidas do contrário, que atire a primeira pedra. Será que somos todos inocentes sem erros que tenhamos cometido no passado? Se assim for então peço desculpas por minha incoerência, mas não consigo ver situações serem tratadas com um único olhar, é para que fique claro, todo mundo é inocente ate que se prove o contrário.

Lilia Trajano – Lisboa, 2 de Dezembro de 2011

Rocinha, no princípio, era o verbo! Hoje faz-se luz!

16/11/2011

Rocinha, no princípio, era o verbo! Hoje faz-se luz!

Começo com um trecho do poema de Cecília de Meireles:
“Sou poeta.
Irmão das coisas fugidias, não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias no vento.”

Nasci na favela da Rocinha, tenho 46 anos, e há 9 anos vivo em Lisboa.

Por de trás da casa onde nasci e me criei ficava o clube SOREG, depois transformada em garagem da TAU, para hoje ser prédios de habitação. Nós ali íamos eu e meus irmãos passear no fim da tarde com minha tia, meu pai, minha mãe ou tirar uma fotografia de família. Era um lugar lindo, com animais que hoje estão em extinção, onde havia grandes árvores com seus frutos doces e que podíamos comer sem correr risco. Tínhamos uma área verde e grande para brincarmos.

Na minha infância início da minha adolescência éramos um grupo bastante numeroso de amigos e unidos para tudo: Beto, André, Ana, Adriana, Laia, Adilson, Katia, Murilo, Sonia, as gémeas: Deise e Denise, Nilcéia: a menina especial do grupo, o seu irmão Eduardo,  e os irmãos Wilson e Serginho, o Edmilson – o Mancha -, alguns foram embora, outros foram chegando e a gente ali, na nossa inocência brincando de muita coisa boa, até a tarde cair e a gente ter que ir para dentro de casa. A fundação não era cercada com muros e podíamos chegar do outro lado da rua 4 brincando.

Eu e minha família vivíamos no Beco do Rato, onde até hoje temos uma casa. Sou de uma família numerosa, seis irmãos, fomos criados juntos, brincando juntos, dentro de casa e no espaço aberto que tínhamos perto da Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem, antiga Fundação Leão XIII. Estudei na Paula Brito, mas eu minha irmã gémea, ficamos lá pouco tempo, e logo fomos transferidas para a escola na Marques de São Vicente: Luís Delfino, depois para a outra escola Christiano Hamann, onde estudei com meu amigo Carlos Costa, crescemos juntos, e aprontamos muito, tudo dentro da alegria, da inocência, na amizade, no samba, poesia.

Com 14 para 15 anos comecei a participar das actividades de teatro na associação de moradores UPMMR, com 16 anos da colonia de férias como monitora, junto com minhas irmãs, Fábio Costa, e Carlos Costa. Foram tempos alegres e penso que ainda de liberdade na Rocinha.

Aos 17 anos eu minhas irmãs (Marisa e Maricea) começamos a trabalhar na escolinha da Rua 2, em regime de mutirão construímos a escolinha, fizemos calçamentos de becos, limpamos a vala. Na escolinha éramos financiado pela UNICEF, até a secretaria de educação se apropriar do espaço e efectivar seus funcionários, bateu uma saudade daquele tempo, da Dona Maria do Teatro e suas canções, do Ailton Rosa que animava a vida da garotada inventado coisas e bailes na matine no clube Monte Carlos, em cima da padaria, ao lado da igreja. Saudades de Paulo Belera, Seu Pedro, Seu Inácio e suas lindas histórias. Maria Helena da UACPS, Oliveira, Martins, Maurício Trajano, Tânia Regina, Dilma, Maria Inês – a xuxo – Padre Cherry, o ex-padre Cristiano, e tanta gente que passou que deixou sua contribuição e os que ainda permanecem lutando.

Foi nessa altura que surgiu as primeiras reuniões clandestinas da formação do Partido dos Trabalhadores, eu e minha irmã, não podíamos votar, mas participavamos de tudo, produzíamos material, fazíamos campanha, colávamos cartazes escondidos.

Aos 18 anos passo a participar mais ativamente da UPMMR, e ao contrario do que tem sido noticiado, a falecida Maria Helena, foi eleita pelos moradores, um grupo de lideranças da Rocinha que se uniram para compor a Chapa 2, porque queríamos ganhar do Zé do Queijo nas eleições, não havia bandidos envolvidos connosco, naquela altura o que estava em jogo era o bem-estar da comunidade. Maria Helena só se tornou amante do Denis depois de tomar posse como presidente, e já no andamento do seu primeiro ano de mandato, que isso fique claro, porque a chapa 2 era composta por pessoas serias e que ao longo dos anos vinha atuando na Rocinha para o seu desenvolvimento urbano, social e cultural, não ganhávamos dinheiro e nem tínhamos a intenção de lucrar com nada, queríamos a melhoria da comunidade.

Fui membro da diretoria na área da cultura e secretária da associação, vivi nesse período muita coisa, e vi muita coisa acontecer. Passei a ser respeitada pelo Denis porque impedi sua entrada na sede da associação, alegando que ali estavam reunidos moradores da Rocinha, não era lugar de bandido, na hora que  agi assim, nem pensei que poderia levar um tiro, agi simplesmente e ele foi embora, e voltou sozinho, desarmado, minutos depois e com um documento que mostrava que era morador da rua 2, perguntando se ele poderia participar da reunião dos moradores, foi a partir deste momento, penso eu, que ele passa a fazer parte da associação, quem viveu aquele momento lembra bem das ameaças que surgiram depois, e muita gente da diretoria ao invés de ficar e enfrentar tudo como sempre havíamos feito, se retiraram da associação, deixando pra trás a presidente sozinha, fiquei com ela, não me arrependo, gostava imenso da Maria Helena, tínhamos divergências politicas, partidárias, mas éramos amigas, brigávamos imenso, mas fiquei ao lado dela, até perceber que o barco iria afundar, avisei-a peguei meu salva-vidas, implorei a ela para vir comigo e fui embora. Ela não quis sair, não queria viver fugindo, ficou e morreu.

Participei da formação do Posto de Saúde da Rua 1, onde fui vacinadora voluntária durante 17 anos, ajudei a construir e a fundar muitos espaços sociais e culturais na Rocinha, como: Centro Comunitário Alegria das Crianças, Centro Comunitário Maria Helena, Centro Social E Aí Como é Que Fica, o grupo cultural Arte Astral, o projecto Redescobrir com Tio Lino. E da criação do Livro Varal de Lembranças – Causos e casos da Rocinha, com Lygia Segala, onde tivemos o prazer de entrevistar pessoas que foram de grande importância para a memória da Rocinha e que hoje já não se encontram entre nós.

Participei ainda da formação da Casa da Cultura da Rocinha, onde fazíamos reuniões na casa do Fábio Costa no início dos anos 90, participaram desse início eu, minha irmã Maricea, Carlos, Fábio, Harold, Jorge (ex-marido de Heloísa) Heloísa, e Ailton Rosa que nos apoiou com os eventos na rua como: concurso miss gay, miss Rocinha, a presença do grupo da Orunmilá da Bahia e a exibição de filmes na Via Ápia, show para os desabrigados da Rocinha. Participei ainda do elenco da primeira Via Sacra da Rocinha, onde o ator falecido Walter fez de Cristo, sob a direcção de Aurélio e produção de Fábio Costa e Marta Pereira.

Tenho orgulho de ter contribuído para o engrandecimento da Rocinha! Naquela altura éramos agentes comunitários voluntários, não tínhamos interesses políticos ou financeiro, queríamos o melhor para Rocinha. Como diz meu amigo Harold Avlis, nós éramos agente comunitário - éramos gente que fazíamos, não liderávamos nada, por isso nunca me considerei líder.

Participei do grupo Resistência Pré Vestibular Para Negros e Carentes da Rocinha que começou na Igreja Metodista e depois foi para o Ciep Airton Sena, onde depois de aluna passei a ajudar na coordenação, passei no vestibular e cursei na PUCRio – Serviço Social, hoje com Mestrado feito em Lisboa.

Digo que sou um pouco de tudo, aprendi artesanato, fotografia, dramaturgia, e não penso em nenhum outro lugar onde eu poderia ter adquirido a formação da vida que tenho hoje se não tivesse nascido e crescido na Rocinha, uma família maravilhosa, que se criou e cresceu na Rocinha com dificuldades, mas com integridade, respeito e amor pelo próximo. E como diz o Zé Luís: Vamos fazer a Primavera das Favelas Cariocas e fazer brotar um jardim de criatividade e inovação em cada uma delas. Eu digo: vamos fazer o sol brilhar eternamente. Essa é a nossa missão.
Paz na Rocinha.

Lilia Trajano – Lisboa 15 de Novembro de 2011.
Escrito por Lilia Trajano às 11h07 AM