Cartas Lisboetas te saúda

Bom dia, boa tarde e boa noite.
Sejam bem-vindos ao meu blog, ele foi criado partindo da ideia de uma amiga sobre a minha escrita.
Tentarei postar alguns momentos descritos por mim como uma carioca que resolveu há 9 anos viver em Lisboa.
Espero não decepciona-los, um abraço e sejam bem-vindos a minha pequena morada.
Lilia Trajano

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Meu encontro com Gullar

Quando cheguei a Lisboa, uma das minhas forma de combater a depressão e a solidão foi me refugiando na Biblioteca Nacional de Lisboa, entrava por volta das 8:30 da manhã e saia as 19 horas, lá passava o meu tempo a estudar e a ler tudo o que pudesse, fiquei neste ritual por dois anos, numa das manhãs em que lá me encontrava encontrei um pequeno acervo da literatura de Gullar, e lembrei do meu encontro com ele no Rio na Bienal do livro, em que fomos filmados pelas câmeras da Rede Globo para o RJTV, e desse meu encontro com Gullar eu escrevi o poema abaixo. 

Quando resolvi escrever para Gullar, não sabia ao certo onde ele morava, mas achava, como poeta que sou, que deveria ser no lugar que enviei a carta, e a abertura da carta eu dizia mais ou menos assim:

"Caro Sr. José Ribamar, se fores o meu poeta Ferreira Gullar segue o poema que fiz para lhe homenagear, se não for peço desculpas e aproveite para conhecer a minha escrita, um abraço 
Lilia Trajano."   

Este episódio ocorreu em Fevereiro de 2004 e meses depois recebi uma carta com um postal do acervo pessoal do poeta, emocionado com a minha carta, desde então escrevo sempre pra ele.
Boa leitura, boa quarta feira a todos.
Lilia Trajano


O POETA PINTA (2004)
                                                   (Homenagem ao poeta Ferreira Gullar)


Meu caro Poeta,
Vislumbro teu semblante a por os óculos, acendendo um cigarro
Enquanto teu gato passeia por sobre tua escrivaninha
Delicadamente o Poeta se move, acaricia o gato e dirige-se  para o cavalete em frente pega no pincel e imagina:


- que cores poderia utilizar para pintar a tela que encontra-se à minha frente?


Há um facho de luz reluzente que ilumina um certo canto da sala com tantos objectos a volta
O Poeta pensativo, passa por entre os lábios, o fino pincel.
Pára, reflecte, e retorna o olhar, a tela branca e como se um ser superior  ou um espírito iluminado lhe dissesse: 


- segue por aqui, mistura a tinta cor de terra com laranja transforma o nada em sentimento e o vazio em arte.


E assim surge mais um quadro do poeta.
Vem-me a memória o som da tua voz a declamar: 


‘Ernesto Che Guevara... ’

Onde está o sumo da terra? Ainda assim, vislumbro teu rosto
A fitar-me embevecido de carinho. A luz como reflector a incendiar meu olhar.
Não percebo as câmeras, os holofotes a filmar este momento magico
Interrompe-se em meu peito a palavra
Balbucio qualquer coisa, nada sai... Cora-me a face
Deixo as lágrimas caírem pelo canto dos olhos
Suavemente, meu Poeta se levanta
E de seu corpo, que a mim parece tão frágil, recebo um abraço
E o calor espalha-se por todo o meu ser
Não é sempre que podemos ter tão perto a Obra e o seu autor em comemoração dos 70 anos de existência.
Abro o livro, folheio, quero sentir o perfume na tinta da caneta no grafismo feito com ternura e o carinho de Gullar
Pode obra e poeta existir além de si mesmo?
E volto a memória aos meus 13 anos, quando ainda menina li pela primeira vez o poema sujo… e chorei...
Guardo comigo todas as recordações
‘Bela, bela, mais que bela...’
E pergunto: De que vale as recordações se ficarem guardadas
Feito gavetas arrumadas em nós mesmo?
Antes transforma-la em poesia e expo-la em praça pública
Assim fiz meu Poeta,
Fui a praça e abracei-me a poesia
E nesse momento ainda não sabia
O que era magia!
E a arte de cantar e teatralizar em poesia
Meu Poeta, sinto saudades de caminhar sob as ruas da cidade e possibilitar,
sem querer, esbarrar consigo, seu sorriso e sua voz forte a nos transmitir esperança mesmo que tardia,
eu não deixei de ter.
Mesmo tão longe desses Rios e mares,
Carrego comigo um lugar pra saudade!


Lilia Trajano


(Ps. Ferreira Gullar hoje esta com 81 anos, ganhou a edição 2010 do Prémio Luís de Camões. O prémio  literário mais importante da comunidade de Países de Língua Portuguesa, criando em conjunto pelo governo do Brasil e de Portugal, que rendeu ao escritor e poeta 100 mil euros).
(Ps2. Soube através de um de seus livros que o seu gato faleceu).

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